sábado, 19 de março de 2011

Vai um bocadinho de álcool para a veia?


1ª Parte
 São nove da matina, “Vai uma taça de tinto?”, e porque não, faz bem à circulação sanguínea, já dizia meu avô ou bisavô; e, ainda por cima, ajuda a matar o bicho, e em tempos de crise, é mais económico do que um galão, até porque o leite hoje em dia já não é o que era, tem mais substâncias químicas do que leite puro da vaca… Vinho é o sangue da parreira, é o leite vermelho, é a força a escorrer nas veias! E logo à tardinha para acalmar o stress acumulado num dia de trabalho, “Vai uma cervejola?”, e depois quem sabe, bebemos mais uma e outra e ainda mais algumas…. A cerveja tem uma percentagem muito baixa de álcool, e até já se sabe que a levedura dos cereais com que é fermentado este maravilhoso liquido doirado, faz reduzir os níveis do mau colesterol, e a mente fica sempre mais sossegada, ah pois fica!
É véspera de fim-de-semana, “Que fixe!”, “Vou curtir bué!”, “Acho que vou apanhar uma buba!”, exclamam entusiasticamente os adolescentes. Aconselham os papás, “Se beberes, não abuses”, um outro talvez dê uma risada, “Tem juízo, olha que eu já tive a tua idade, não te quero em casa de rastos”, o mais cauteloso e medroso diz, “Vê se não bebes álcool, mas tem muito cuidado com a droga, afasta-te sempre dessas companhias, ouviste?”.
2ª Parte
“Vai um charrinho?”, “Só uns bafos”, “Qual é o problema, umas ganzas são inofensivas, e a gente curte à brava, fartamo-nos de rir”, “Aguentem aí, vou comprar mortalhas, volto já”.
Na tasca da esquina, já depois de beber um café e um abençoado bagaço, sai à rua o tio Zé para fumar um cigarrinho, “Olhem só para aquela miséria”, afirma chamando a atenção dos companheiros, apontando o indicador para uma enorme árvore do lado oposto da rua, “Estão-se a drogar”, “Talvez estejas enganado Zé”, abana a cabeça em reprovação, “Então eu não sei, não nasci ontem, só o cheiro não engana”.
A mãe está em pânico, chegou-lhe aos ouvidos através da tagarelice de umas idosas lá do bairro, que o seu filho anda a fumar umas cenas. Imagina-o a injectar-se com heroína, vê-lo a auto-destruir-se…
As duas irmãs riem-se divertidas e vão balbuciando palavras entusiásticas, “Pois é, os nossos filhotes já estão uns homens”, “Tens razão, cresceram depressa”, “Eles bem tentaram disfarçar, mas vinham cá num estado que não enganavam ninguém, e cheiravam a álcool”, “Na idade deles é natural, é preciso é que não abusem”.

A, “1ª Parte”, da narrativa exposta acima, infiltra-se na mente de muitos nós com naturalidade, quase como uma doce e subtil melodia enraizada no inconsciente colectivo dos portugueses.
Na, “2ª Parte”, o texto conecta-nos automaticamente a todo um sem fim de metáforas que expressam os nossos medos desse monstro destruidor, que é o flagelo da droga.
Mas pergunto eu, será que o álcool não é uma droga pesada? Não, de maneira nenhuma estou a defender o consumo de qualquer espécie de estupefacientes, nem considero que as ganzas sejam inofensivas… Mas é que é incrível como é que o álcool que arruína a vida de tantas criaturas, é tão bem aceite, tão bem tolerado, pela sociedade em geral. E, no nosso país, parece-me que muitas vezes o álcool faz parte da tradição cultural do povo. Quando me refiro ao povo, não estou a classificar uma classe social desfavorecida, mais pobre, com menos recursos aos meios de ensino e educação, mas a todos os cidadãos portugueses. Infelizmente o fenómeno do alcoolismo está vinculado a todas as classes sociais.
Na quinta-feira de manhã saí de casa e transitei até ao pequeno estabelecimento que fica a poucos metros da minha casa. E, quando saboreava o meu café, vislumbrei pelo canto do olho uma silhueta onde se destacava a cor verde florescente, e discretamente enxerguei o sujeito a empinar uma taça de tinto. Só quando volvi à rua é que conclui que a referida figura era um operário da câmara municipal que varria o lixo dos passeios… Tudo bem, afinal só tinha que conduzir o carrinho de mão com alguma destreza, o que não exige grande lucidez mental…
E, como a manhã irradiava um sol resplandecente, na sexta-feira decidi caminhar meia centena de metros e fui beber café numa ruazinha um pouco mais afastada do meu lar. Não, não encontrei novamente a personagem do dia anterior, mas um bom homem que pedia uma cervejola. Às nove da manhã talvez já estivesse com calor, com cede… Pois é com o tempo primaveril nunca se sabe as reacções que poderá desencadear na psique humana…
E hoje Sábado também por volta das nove horas da manhã, deparei-me com uma fila de criaturas, homens na casa dos cinquenta anos, sessenta e alguns mais velhos, ao balcão a empinar taças de branco e tinto. E viva a alegria!
Vamos mas é embriagar as nossas mentes com as coisas boas da vida. Aproveitando o sol deste fim-de-semana, por exemplo, podemos caminhar à beira do mar ou do rio, andar de bicicleta… E sempre, sempre cultivar os nossos espíritos com prazeres salutares, praticar desporto com moderação, por exemplo, yoga, Pilatos, ou outras actividades físicas que privilegiem a saúde da mente e do corpo, ir ao cinema ou ao teatro, ler um bom livro, são igualmente hábitos sadios. E claro, engrandecer os laços familiares, as boas relações entre amigos… Enfim tudo o que nos ajude a sermos mais serenos, mais tranquilos, mais felizes, para que um dia ao olharmos para as nossas vidas não as vislumbremos como qualquer coisa oca….
E, já agora, façam o favor de serem felizes.

terça-feira, 8 de março de 2011

Tinha que escrever isto...


E quando preciso de escrever as coisas mais simples como esta, apenas duas palavras de agradecimento, “Obrigado a todos”, “Agradeço pelo ânimo que me têm doado”, “Bem aja”, meras palavras que expressem os meus verdadeiros sentimentos, é que fico estacado sem saber o que redigir, a praguejar com o computador, para depois me lembrar que ele não tem culpa e, por isso, pedir-lhe desculpa…
E, esgravatando os confins das entranhas do meu âmago, descortino uma recordação, uma comoção imensa, intemporal; e, com um pedacinho de memória da infância, outra da adolescência, começa-se a delinear um subtil fio condutor que me instiga a escrever, a escrever…
E, por breves momentos, levanto-me, olho através da vidraça as luzes citadinas, mas preciso de sentir a grandeza da vida, Abro a janela. A brisa fresca arranha-me levemente o rosto, e tudo se expande, expande-se talvez apenas a minha consciência, porém, o universo revela-se-me infinito, eterno…
Pergunto-me silenciosamente como um eco que vai e vem sempre ressoando na minha mente, “Agradecer a quem?”, mas esse, “quem”, já abarca todas as respostas que badalam agora no meu espírito numa vibração divinal, “Agradecer a Deus”, “Agradecer ao universo”, “Agradecer à vida”, “Agradecer a todos”, “E, principalmente, agradeceres a ti mesmo”. Penso fazer o que o meu ser despido do ego me sussurra ao ouvido interno, mas não compartilhá-lo neste post, ocultar este parágrafo.
“Criancinha”, “Frágil”, “Tem juízo”, “Que vergonha!”, balbucia o ego como um real senhor autoritário… Mas subitamente, eis que se dissolvem os murmúrios, e fica só o silêncio, e fica só o amor, e fica só mais não sei o quê….
Deixo-me cair de joelhos no chão, as lágrimas derramam-se-me pelo rosto, e clamo, “Obrigado Fernando”, mas, veloz como um relâmpago, vislumbro sucessivos rostos… E entendo que todos os que se têm cruzado no meu caminho são parte integrante do meu ser, e entendo tantas outras coisas…
Mas neste momento, não necessito de entender nada, só preciso de abrir o meu coração e dizer, “Obrigado a todos, pela coragem que me têm doado, por terem sempre acreditado em mim, na minha potencialidade de, “ser”, pelas palavras sinceras, pelos sorrisos, pelos carinhos, por todas as coisas maravilhosas que vocês são e que fizerem de mim uma pessoa mais “humana”, “Mil vezes obrigado”.
E então agora vêm as palavras finais de agradecimento, “Bem aja”, “Que as vossas vidas sejam abençoadas”.

terça-feira, 1 de março de 2011

Caça submarina


Na fotografia acima está o meu primo segurando em cada uma das mãos, um safio, o maior pesa aproximadamente quinze quilos.

“”Foste tu que me meteste o vício da caça submarina”, murmurou o meu primo pensando não sei muito bem em quê, talvez vislumbrando outrora num tempo não muito distante, e as suas palavras ficaram a bailar-me na mente instigando-me a escrever um post sobre esse nobre desporto que é praticado no reino de Neptuno.
“Caça submarina”, e, ainda hoje em dia, estas palavras têm o deslumbramento de atear a fertilidade da imaginação humana. Homens com pulmões à tiracolo que mergulham a grandes profundidades exponde-se aos iminentes perigos, para capturarem os animais do mar e, como a minha irmã diria, mais umas tantas baboseiras que as criaturas fantasiam, porém, que estão dissociadas da realidade deste desporto.
O praticante desta modalidade não recorre ao auxílio de escafandros, nem de garrafas de ar comprimido, nem de qualquer género de aparelho que lhe possibilite suster-se submerso mais tempo do que as suas próprias capacidades pulmonares lho concedem. O desportista movimenta as pernas coordenadamente e, pelos impulsos das barbatanas ajustadas aos pés, desliza sob a superfície das águas e, graças à máscara de mergulho e ao tubo respiratório, permite-lhe manter continuamente o rosto imerso sem ter a necessidade de o retirar da água para respirar. A máscara de mergulho é constituída por duas lentes de vidro e pela borracha que adaptada ao rosto protege os olhos e o nariz do contacto com a água, oferecendo assim ao indivíduo uma boa panorâmica do meio aquático. O tubo respiratório aproximadamente com vinte centímetros é um simples tubo cilíndrico, para facilitar a visualização do mesmo poder-se-á imaginar um pedaço de mangueira que numa das extremidades tem um bocal que o mergulhador encaixa entre os lábios e as gengivas, como a ponta oposta ao bocal permanece fora da água o praticante respira sem extrair a cara da água, como já foi dito anteriormente.
E quando mergulha? O atleta inspira profundamente enchendo bem os pulmões de ar e, suspendendo a respiração, inclina-se na vertical impelindo-se com os movimentos das barbatanas numa trajectória rumo ao fundo. Regressando à superfície como um cachalote, expira vigorosamente, expulsando assim a água acumulada no tubo. É nesse escasso período de tempo em que o caçador submarino está submerso que procura as suas presas e, através de uma espingarda que é uma espécie de fisga, dispara um arpão que eventualmente poderá trespassar o alvo.
De maneira nenhuma a caça submarina pode ser considerado um desporto cruel, todo o caçador que se preze selecta peixes que pesem pelo menos, aproximadamente quinhentas gramas.
E existem os que fazem no Verão uns mergulhos a pouca profundidade, contentando-se com os peixes que por aí transitam. No entanto, como nos outros desportos, também há os atletas de alto rendimento, que possuem uma preparação física excepcional e, por isso, conseguem permanecer emersos dois ou mais minutos sem necessitarem de respirar, e capturando se for preciso, peixes a vinte ou mais metros de profundidade.
E no sábado da janela da casa dos meus pais, vislumbrei na suavidade da colina um cordão doirado de luz flutuando sob as águas do Tejo. Abarquei-me a esse deslumbramento que me arrastou pelo Oceano Atlântico induzindo-me a navegar nas memórias do tempo…
O carro avança devagarinho aos solavancos pela estrada de terra batida e, finalmente, descortinamos a praia das Furnas, uma enseada de fina areia suave como neve isolada entre as altas escarpas. Eu e o meu companheiro iniciamos o ritual de vestir o fato de neutrino, o aroma a borracha embriaga-me os sentidos como se tivesse o poder de despertar o aventureiro que existe no meu âmago… E o meu primo João Manuel observa-nos silenciosamente, “Tanto trabalho para passarem umas horitas dentro de água para caçarem uns peixitos”, talvez murmure ele com os seus pensamentos, ou estará mais entusiasmado em enxergar as sereias esticadas ao sol?! E atravessamos a praia numa trajectória recta até ao oceano. Os naturistas que estão numa nudez completa como Adão e Eva, devem pensar por momentos que dois seres vindos de outra galáxia estão a invadir o paraíso…
Por fim, eu e o meu companheiro de mergulho entramos num mar cristalino como um diamante, e o meu primo fica sentado à beira-mar a ver-nos afastar.
Regressamos à praia satisfeitos com a caçada, “Coloca isto na cara e dá uma olhadela a este mar, isto é um paraíso”, afirmo com palavras convincentes, e o meu primo ajusta a máscara ao rosto impulsionando-se sob a superfície do mar.
E agora vejo-o aqui onde estou neste momento e no passado que vem até aqui para me embebedar de plenas recordações que dissipam as fronteiras do tempo. Os teus pés chapinham na água, o teu corpo molhado resplandece a luz doirada do sol, a máscara pendente no pescoço, e os olhos estão maravilhados…
E eu nem queria acreditar, estavas com ar hipnótico como se alguma sereia te tivesse enfeitiçado com um encantamento fatal. Não sei, não sei. Porém, na manhã do dia seguinte, ainda não eram nove horas e já eu estava com o meu primo aguardando a abertura da loja de material de mergulho. Lembras-te João? E depois umas horas mais tarde, deslizávamos nas serenas águas da baía da Praia da Luz, aliás, nas águas onde te revelarias seres um excelente caçador, João.
Anos mais tarde, quando tinha vinte e dois anos de idade a doença que começou a afrontar-me os olhos obrigou-me a abandonar a prática desse maravilhoso desporto, mas, como se costuma dizer, quando Deus fecha uma porta abre uma janela, a vida continuou-me a prendar com outras modalidades desportivas que igualmente me proporcionaram momentos inesquecíveis de felicidade.
Às vezes, ainda desperto do sono, no entanto, ao abrir os olhos constato que é noite cerrada, que são altas horas da madrugada, e que o oceano onde há momentos atrás me encontrava emerso a dez metros de profundidade, debatendo-me com um nero que teimava em não abandonar a sua toca, não passava de um mar fantasiado pela minha mente. Talvez a vida seja também ela uma ilusão um pouco mais consistente…
“”Foste tu que me meteste o vício da caça submarina”, as tuas palavras, João, repetem-se novamente ciclicamente como um mantra que subtilmente tem o poder de ir diluindo o sofrimento dos seres. E é tão bom, sinto-me satisfeito por saber que de alguma forma fui responsável por esse vício salutar que veio enriquecer a tua existência, porque às vezes, são as pequeninas coisas, os prazeres mais simples, que doam aos nossos espíritos uma renovada luz, uma luz repleta de ânimo, de alegria, e de tantos outros sentimentos que se transmutam numa bênção de felicidade.
João, desejo-te bons mergulhos e boas caçadas e, principalmente, muitas felicidades.