quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Férias...

Quando viajo de automóvel ou comboio, tenho a sensação que o panorama é a extensão da minha consciência ou uma projecção da mente.
Apesar do ar condicionado do carro soprar uma brisa refrescante, o calor das planícies alentejanas, rude como a cortiça dos sobreiros, entranha-se-me na pele, porém meu espírito continua leve, embalado pelo doce aroma da maresia que vem da costa algarvia.
Faz hoje oito dias que eu e meus pais fizemos uma directa, Castelo Branco / Vila Moura, aliás, aldeia da Silveira dos Limões até à referida vila do sul do país. Com a mania do meu pai chegar o mais rápido possível ao destino, só fizemos uma paragem obrigatória, cinco minutos para esvaziarmos a bexiga.
Meu pai liga o rádio, prefiro o sossego do silêncio. Lá fora as escacas árvores e o restolho baixo fogem no tempo para trás, mas o passado está vivo na minha memória, estagnado. Há novamente silêncio, ouve-se apenas o roncar monótono mo do motor do carro. Ainda bem, preciso de organizar as ideias.
E, quando finalmente terminámos a longa viagem, esperávamo-nos uma família maravilhosa. Meus primos, o João e a Alice com as suas filhas, a Patrícia e a Catarina. Que melhores boas vindas poderíamos ter tido? Sorrisos que deflectiam a beleza e bondade de quatro corações unidos. Palavras para quê? Eu diria um sorriso sincero diz tudo o que vai na alma.
A superfície alentejana parece não ter fim, mas uma curva que faz balançar o automóvel, expulsa-me as divagações. Foram tantas, tantas, as emoções desse dia, imensas.
E ainda nos aguardavam os meus tios, Ricardo e a Aurora. Passámos o portão e vislumbrámos um lindo jardim relvado com uma magnífica piscina, a moradia branca, arquitectura tipicamente algarvia, integrada na natureza cuja florestação é maioritariamente constituída por enormes pinheiros mansos. Enfim um lugar paradisíaco. Depois veio o almoço e, enquanto dava ao dente, pensava, pensava em tantas coisas, “Como sou uma pessoa abençoada com as dádivas com que a vida me tem prendado.”, “Sim, porque existem momentos tão grandiosos que superam todo o sofrimento a que já fui submetido.”, “Dizem que existem pessoas ricas mas que interiormente são de uma extrema pobreza, no entanto, o inverso também é verdade, e esta família é um exemplo vivo.”, “A abundância só pode ser o reflexo do brilho dos seus espíritos que, sem dúvida, são grandiosos.”. Lembrei-me ainda do que dizem os budistas que não devemos guardar os sentimentos bonitos e sinceros porque a única certeza desta vida é a morte e nunca se sabe quando chega esse derradeiro momento… Então agradeci-lhes por me receberem com tanta ternura, sorriram dizendo que a honra era deles em me terem no seu lar. Acho que aqui o meu coração deve ter querido saltar do peito, mas as emoções desse dia ainda não tinham terminado.
Quantos quilómetros já passaram? Não sei, mas foram imensos em que estive ausente desta viagem de regresso à Silveira dos Limões. Évora, Évora que me faz voltar ao momento presente. Quando cruzo estas ruas lembro-me sempre do livro de Virgílio Ferreira, “Aparição”, e prometo que um dia venho visitar a cidade. Atravessamos as muralhas. Preciso de me concentrar, acabar de escrever estas linhas, estes pensamentos que rabisco na minha mente.
Ah! É verdade a Maria, que é a empregada dos meus primos, tratou-nos sempre com imensa gentileza.
E lá para o meio da tarde ouvi as palavras firmes do João, “Vamos para o mar.”.
Embarcámos na linda marina de Vila Moura. Meu primo assumiu o controlo do barco, eu, meu pai e meu tio acomodámo-nos na embarcação, tarefa fácil já que os seis metros por quatro tinham espaço mais do que suficiente para quatro passageiros.
As muralhas da doca ficaram para trás. O potente motor fazia deslizar o barco por um mar calmo, quase chão. Respirei profundamente o doce aroma salgado do oceano e deixei que o meu olhar percorresse as águas até se fundir na linha do horizonte. Senti a vastidão do mar, do céu e do infinito. Os ondulantes reflexos dourados que dançavam com suavidade na superfície, faziam-me mergulhar em lembranças do tempo em que amava o mar. Mas havia algo muito mais significativo que me fazia pulsar o coração com força. Era o facto de, havia um ano e sete meses, ter sido submetido a uma cirurgia que me permitiu recuperar parcialmente a visão. E, por isso, para mim foi uma tarde demasiada comovente.
Quando desembarcámos já o sol se afundava no horizonte.
Há uma curva longa à direita e passamos por baixo de um viaduto. O carro roda pela rua principal da aldeia de Alvaiade, sinal de que estamos quase a chegar à Silveira dos Limões e a viagem está a terminar.
Também não ia descrever aqui detalhadamente os oito dias que passei no Algarve. Mas foram magníficos!
Às pessoas citadas nesta pequena narrativa, desejo-lhes algumas coisas.
Que através das boas acções continuem a ter uma vida repleta de paz e felicidade, para depois lá no outro plano encontrarem tudo de bom, segundo as vossas crenças. Mas com a certeza, como alguém um dia disse, lá não é diferente daqui, lá é a continuidade desta vida.
E, como creio na reencarnação, desejo-vos que as vossas vidas futuras sejam abençoadas. Sem dúvida que vão ser, porque acções positivas, só podem dar bons frutos seja ainda na actual reencarnação ou nas futuras.
João depois, numa próxima oportunidade, continuamos essa conversa sobre o tempo ser ilusório. Já há mais de quatro mil anos que os sábios e filósofos orientais afirmam que no cosmo não existe tempo, que o tempo é uma ilusão. E agora a física, principalmente a física quântica vem ao encontro da mesma verdade espiritual.
Bom, a viagem está mesmo a terminar.
Mais uma vez, bem aja, que as vossas vidas sejam abençoadas.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Jardins da minha aldeia - Silveira dos Limões


 Depois deste longo tempo de ausência sem publicar nenhum post, cá estou com mais um novo escrito. Um poema que é uma forma singela, mas verdadeira de homenagear as pequenas aldeias da Beira Baixa, e todos os que trabalham, por iniciativa própria e voluntariamente, para as manterem com uma memória viva de outrora, cujos nossos olhos possam vislumbrar, nossas mãos tactearem, uma humilde casita construída com pedras de xisto, o forno comunitário onde semanalmente os aldeões coziam o pão, a eira onde  as massarocas de milho eram malhadas, e tantos outros vestígios de uma cultura que infelizmente foi mal preservada.
Da minha infância submergem-me imagens nítidas. Com oito ou nove anos de idade encavalitado na pasteleira do meu avô, pedalando com imenso esforço a bicicleta demasiada pesada para o meu corpo franzino, porém, quando descortinava uma aldeia e circulava pelas ruelas, uma espécie de deslumbramento apoderava-se magicamente do meu espírito de criança. As casas de paredes meio tortas de pedras de xisto, o silêncio intenso rasgados pelas vozes dos homens e mulheres de rostos lavrados que me olhavam com curiosidade, “Bom dia”, “Gaiato, quem são os teus avós”. Não sei bem se imaginava o presépio ou um conto de fadas, mas tudo aquilo contrastava com a cidade de Lisboa e, por isso, viajava num mundo de fantasia e encantamento.
E agora tento reencontrar esses lugares, no entanto, é com tristeza que descubro que a magia de outrora da maioria das aldeias foi abruptamente devorada pelo ferro, pelo cimento, pelos tijolos… É por isso que me alegra vislumbrar alguma aldeia que guarda ainda um bocadinho desse passado, aliás, um passado que é de todos nós, portugueses, que é parte integrante do nosso património.
E por hoje fico por aqui… Quem sabe se um dia destes volto a escrever recordações do tempo em que o meu olhar se fundia nas estrelas suspensas no firmamento e o meu espírito se diluía no silêncio embalado pela melodia das cigarras e grilos… E então o instantaneamente o universo ficava perfeito, e eu sentia o infinito, a eternidade…


Canteiros de xisto

Pedras agrestes, rudes, selvagens…
Mas belas,
Emoldurais as mais harmoniosas flores.
E que memórias guardareis?
Mãos calejadas,
Braços fortes,
Arrancando-vos das pedreiras…
E depois empilhando-vos em longos muros
Ao redor das hortinhas, das grandes herdades…
Ou pedra sob pedra,
Ergueram-vos nas elegantes paredes,
Que edificaram as humildes casas de xisto.
Mas nos tempos modernos substituíram-vos por ferros, tijolos…
E pobres meninas,
Que vos abandonaram nas barrocas,
Escondidas entre estevas e silvas…
E agora novamente olhos de poeta descobriram-vos
e mãos de artista transmutaram-vos nos divinais jardins da minha aldeia.
Resplandecei harmonicamente com o cosmo, para todo o sempre!

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E agora deliciem-se com as fotografias de Hélder de Pina Nunes




sábado, 19 de março de 2011

Vai um bocadinho de álcool para a veia?


1ª Parte
 São nove da matina, “Vai uma taça de tinto?”, e porque não, faz bem à circulação sanguínea, já dizia meu avô ou bisavô; e, ainda por cima, ajuda a matar o bicho, e em tempos de crise, é mais económico do que um galão, até porque o leite hoje em dia já não é o que era, tem mais substâncias químicas do que leite puro da vaca… Vinho é o sangue da parreira, é o leite vermelho, é a força a escorrer nas veias! E logo à tardinha para acalmar o stress acumulado num dia de trabalho, “Vai uma cervejola?”, e depois quem sabe, bebemos mais uma e outra e ainda mais algumas…. A cerveja tem uma percentagem muito baixa de álcool, e até já se sabe que a levedura dos cereais com que é fermentado este maravilhoso liquido doirado, faz reduzir os níveis do mau colesterol, e a mente fica sempre mais sossegada, ah pois fica!
É véspera de fim-de-semana, “Que fixe!”, “Vou curtir bué!”, “Acho que vou apanhar uma buba!”, exclamam entusiasticamente os adolescentes. Aconselham os papás, “Se beberes, não abuses”, um outro talvez dê uma risada, “Tem juízo, olha que eu já tive a tua idade, não te quero em casa de rastos”, o mais cauteloso e medroso diz, “Vê se não bebes álcool, mas tem muito cuidado com a droga, afasta-te sempre dessas companhias, ouviste?”.
2ª Parte
“Vai um charrinho?”, “Só uns bafos”, “Qual é o problema, umas ganzas são inofensivas, e a gente curte à brava, fartamo-nos de rir”, “Aguentem aí, vou comprar mortalhas, volto já”.
Na tasca da esquina, já depois de beber um café e um abençoado bagaço, sai à rua o tio Zé para fumar um cigarrinho, “Olhem só para aquela miséria”, afirma chamando a atenção dos companheiros, apontando o indicador para uma enorme árvore do lado oposto da rua, “Estão-se a drogar”, “Talvez estejas enganado Zé”, abana a cabeça em reprovação, “Então eu não sei, não nasci ontem, só o cheiro não engana”.
A mãe está em pânico, chegou-lhe aos ouvidos através da tagarelice de umas idosas lá do bairro, que o seu filho anda a fumar umas cenas. Imagina-o a injectar-se com heroína, vê-lo a auto-destruir-se…
As duas irmãs riem-se divertidas e vão balbuciando palavras entusiásticas, “Pois é, os nossos filhotes já estão uns homens”, “Tens razão, cresceram depressa”, “Eles bem tentaram disfarçar, mas vinham cá num estado que não enganavam ninguém, e cheiravam a álcool”, “Na idade deles é natural, é preciso é que não abusem”.

A, “1ª Parte”, da narrativa exposta acima, infiltra-se na mente de muitos nós com naturalidade, quase como uma doce e subtil melodia enraizada no inconsciente colectivo dos portugueses.
Na, “2ª Parte”, o texto conecta-nos automaticamente a todo um sem fim de metáforas que expressam os nossos medos desse monstro destruidor, que é o flagelo da droga.
Mas pergunto eu, será que o álcool não é uma droga pesada? Não, de maneira nenhuma estou a defender o consumo de qualquer espécie de estupefacientes, nem considero que as ganzas sejam inofensivas… Mas é que é incrível como é que o álcool que arruína a vida de tantas criaturas, é tão bem aceite, tão bem tolerado, pela sociedade em geral. E, no nosso país, parece-me que muitas vezes o álcool faz parte da tradição cultural do povo. Quando me refiro ao povo, não estou a classificar uma classe social desfavorecida, mais pobre, com menos recursos aos meios de ensino e educação, mas a todos os cidadãos portugueses. Infelizmente o fenómeno do alcoolismo está vinculado a todas as classes sociais.
Na quinta-feira de manhã saí de casa e transitei até ao pequeno estabelecimento que fica a poucos metros da minha casa. E, quando saboreava o meu café, vislumbrei pelo canto do olho uma silhueta onde se destacava a cor verde florescente, e discretamente enxerguei o sujeito a empinar uma taça de tinto. Só quando volvi à rua é que conclui que a referida figura era um operário da câmara municipal que varria o lixo dos passeios… Tudo bem, afinal só tinha que conduzir o carrinho de mão com alguma destreza, o que não exige grande lucidez mental…
E, como a manhã irradiava um sol resplandecente, na sexta-feira decidi caminhar meia centena de metros e fui beber café numa ruazinha um pouco mais afastada do meu lar. Não, não encontrei novamente a personagem do dia anterior, mas um bom homem que pedia uma cervejola. Às nove da manhã talvez já estivesse com calor, com cede… Pois é com o tempo primaveril nunca se sabe as reacções que poderá desencadear na psique humana…
E hoje Sábado também por volta das nove horas da manhã, deparei-me com uma fila de criaturas, homens na casa dos cinquenta anos, sessenta e alguns mais velhos, ao balcão a empinar taças de branco e tinto. E viva a alegria!
Vamos mas é embriagar as nossas mentes com as coisas boas da vida. Aproveitando o sol deste fim-de-semana, por exemplo, podemos caminhar à beira do mar ou do rio, andar de bicicleta… E sempre, sempre cultivar os nossos espíritos com prazeres salutares, praticar desporto com moderação, por exemplo, yoga, Pilatos, ou outras actividades físicas que privilegiem a saúde da mente e do corpo, ir ao cinema ou ao teatro, ler um bom livro, são igualmente hábitos sadios. E claro, engrandecer os laços familiares, as boas relações entre amigos… Enfim tudo o que nos ajude a sermos mais serenos, mais tranquilos, mais felizes, para que um dia ao olharmos para as nossas vidas não as vislumbremos como qualquer coisa oca….
E, já agora, façam o favor de serem felizes.

terça-feira, 8 de março de 2011

Tinha que escrever isto...


E quando preciso de escrever as coisas mais simples como esta, apenas duas palavras de agradecimento, “Obrigado a todos”, “Agradeço pelo ânimo que me têm doado”, “Bem aja”, meras palavras que expressem os meus verdadeiros sentimentos, é que fico estacado sem saber o que redigir, a praguejar com o computador, para depois me lembrar que ele não tem culpa e, por isso, pedir-lhe desculpa…
E, esgravatando os confins das entranhas do meu âmago, descortino uma recordação, uma comoção imensa, intemporal; e, com um pedacinho de memória da infância, outra da adolescência, começa-se a delinear um subtil fio condutor que me instiga a escrever, a escrever…
E, por breves momentos, levanto-me, olho através da vidraça as luzes citadinas, mas preciso de sentir a grandeza da vida, Abro a janela. A brisa fresca arranha-me levemente o rosto, e tudo se expande, expande-se talvez apenas a minha consciência, porém, o universo revela-se-me infinito, eterno…
Pergunto-me silenciosamente como um eco que vai e vem sempre ressoando na minha mente, “Agradecer a quem?”, mas esse, “quem”, já abarca todas as respostas que badalam agora no meu espírito numa vibração divinal, “Agradecer a Deus”, “Agradecer ao universo”, “Agradecer à vida”, “Agradecer a todos”, “E, principalmente, agradeceres a ti mesmo”. Penso fazer o que o meu ser despido do ego me sussurra ao ouvido interno, mas não compartilhá-lo neste post, ocultar este parágrafo.
“Criancinha”, “Frágil”, “Tem juízo”, “Que vergonha!”, balbucia o ego como um real senhor autoritário… Mas subitamente, eis que se dissolvem os murmúrios, e fica só o silêncio, e fica só o amor, e fica só mais não sei o quê….
Deixo-me cair de joelhos no chão, as lágrimas derramam-se-me pelo rosto, e clamo, “Obrigado Fernando”, mas, veloz como um relâmpago, vislumbro sucessivos rostos… E entendo que todos os que se têm cruzado no meu caminho são parte integrante do meu ser, e entendo tantas outras coisas…
Mas neste momento, não necessito de entender nada, só preciso de abrir o meu coração e dizer, “Obrigado a todos, pela coragem que me têm doado, por terem sempre acreditado em mim, na minha potencialidade de, “ser”, pelas palavras sinceras, pelos sorrisos, pelos carinhos, por todas as coisas maravilhosas que vocês são e que fizerem de mim uma pessoa mais “humana”, “Mil vezes obrigado”.
E então agora vêm as palavras finais de agradecimento, “Bem aja”, “Que as vossas vidas sejam abençoadas”.

terça-feira, 1 de março de 2011

Caça submarina


Na fotografia acima está o meu primo segurando em cada uma das mãos, um safio, o maior pesa aproximadamente quinze quilos.

“”Foste tu que me meteste o vício da caça submarina”, murmurou o meu primo pensando não sei muito bem em quê, talvez vislumbrando outrora num tempo não muito distante, e as suas palavras ficaram a bailar-me na mente instigando-me a escrever um post sobre esse nobre desporto que é praticado no reino de Neptuno.
“Caça submarina”, e, ainda hoje em dia, estas palavras têm o deslumbramento de atear a fertilidade da imaginação humana. Homens com pulmões à tiracolo que mergulham a grandes profundidades exponde-se aos iminentes perigos, para capturarem os animais do mar e, como a minha irmã diria, mais umas tantas baboseiras que as criaturas fantasiam, porém, que estão dissociadas da realidade deste desporto.
O praticante desta modalidade não recorre ao auxílio de escafandros, nem de garrafas de ar comprimido, nem de qualquer género de aparelho que lhe possibilite suster-se submerso mais tempo do que as suas próprias capacidades pulmonares lho concedem. O desportista movimenta as pernas coordenadamente e, pelos impulsos das barbatanas ajustadas aos pés, desliza sob a superfície das águas e, graças à máscara de mergulho e ao tubo respiratório, permite-lhe manter continuamente o rosto imerso sem ter a necessidade de o retirar da água para respirar. A máscara de mergulho é constituída por duas lentes de vidro e pela borracha que adaptada ao rosto protege os olhos e o nariz do contacto com a água, oferecendo assim ao indivíduo uma boa panorâmica do meio aquático. O tubo respiratório aproximadamente com vinte centímetros é um simples tubo cilíndrico, para facilitar a visualização do mesmo poder-se-á imaginar um pedaço de mangueira que numa das extremidades tem um bocal que o mergulhador encaixa entre os lábios e as gengivas, como a ponta oposta ao bocal permanece fora da água o praticante respira sem extrair a cara da água, como já foi dito anteriormente.
E quando mergulha? O atleta inspira profundamente enchendo bem os pulmões de ar e, suspendendo a respiração, inclina-se na vertical impelindo-se com os movimentos das barbatanas numa trajectória rumo ao fundo. Regressando à superfície como um cachalote, expira vigorosamente, expulsando assim a água acumulada no tubo. É nesse escasso período de tempo em que o caçador submarino está submerso que procura as suas presas e, através de uma espingarda que é uma espécie de fisga, dispara um arpão que eventualmente poderá trespassar o alvo.
De maneira nenhuma a caça submarina pode ser considerado um desporto cruel, todo o caçador que se preze selecta peixes que pesem pelo menos, aproximadamente quinhentas gramas.
E existem os que fazem no Verão uns mergulhos a pouca profundidade, contentando-se com os peixes que por aí transitam. No entanto, como nos outros desportos, também há os atletas de alto rendimento, que possuem uma preparação física excepcional e, por isso, conseguem permanecer emersos dois ou mais minutos sem necessitarem de respirar, e capturando se for preciso, peixes a vinte ou mais metros de profundidade.
E no sábado da janela da casa dos meus pais, vislumbrei na suavidade da colina um cordão doirado de luz flutuando sob as águas do Tejo. Abarquei-me a esse deslumbramento que me arrastou pelo Oceano Atlântico induzindo-me a navegar nas memórias do tempo…
O carro avança devagarinho aos solavancos pela estrada de terra batida e, finalmente, descortinamos a praia das Furnas, uma enseada de fina areia suave como neve isolada entre as altas escarpas. Eu e o meu companheiro iniciamos o ritual de vestir o fato de neutrino, o aroma a borracha embriaga-me os sentidos como se tivesse o poder de despertar o aventureiro que existe no meu âmago… E o meu primo João Manuel observa-nos silenciosamente, “Tanto trabalho para passarem umas horitas dentro de água para caçarem uns peixitos”, talvez murmure ele com os seus pensamentos, ou estará mais entusiasmado em enxergar as sereias esticadas ao sol?! E atravessamos a praia numa trajectória recta até ao oceano. Os naturistas que estão numa nudez completa como Adão e Eva, devem pensar por momentos que dois seres vindos de outra galáxia estão a invadir o paraíso…
Por fim, eu e o meu companheiro de mergulho entramos num mar cristalino como um diamante, e o meu primo fica sentado à beira-mar a ver-nos afastar.
Regressamos à praia satisfeitos com a caçada, “Coloca isto na cara e dá uma olhadela a este mar, isto é um paraíso”, afirmo com palavras convincentes, e o meu primo ajusta a máscara ao rosto impulsionando-se sob a superfície do mar.
E agora vejo-o aqui onde estou neste momento e no passado que vem até aqui para me embebedar de plenas recordações que dissipam as fronteiras do tempo. Os teus pés chapinham na água, o teu corpo molhado resplandece a luz doirada do sol, a máscara pendente no pescoço, e os olhos estão maravilhados…
E eu nem queria acreditar, estavas com ar hipnótico como se alguma sereia te tivesse enfeitiçado com um encantamento fatal. Não sei, não sei. Porém, na manhã do dia seguinte, ainda não eram nove horas e já eu estava com o meu primo aguardando a abertura da loja de material de mergulho. Lembras-te João? E depois umas horas mais tarde, deslizávamos nas serenas águas da baía da Praia da Luz, aliás, nas águas onde te revelarias seres um excelente caçador, João.
Anos mais tarde, quando tinha vinte e dois anos de idade a doença que começou a afrontar-me os olhos obrigou-me a abandonar a prática desse maravilhoso desporto, mas, como se costuma dizer, quando Deus fecha uma porta abre uma janela, a vida continuou-me a prendar com outras modalidades desportivas que igualmente me proporcionaram momentos inesquecíveis de felicidade.
Às vezes, ainda desperto do sono, no entanto, ao abrir os olhos constato que é noite cerrada, que são altas horas da madrugada, e que o oceano onde há momentos atrás me encontrava emerso a dez metros de profundidade, debatendo-me com um nero que teimava em não abandonar a sua toca, não passava de um mar fantasiado pela minha mente. Talvez a vida seja também ela uma ilusão um pouco mais consistente…
“”Foste tu que me meteste o vício da caça submarina”, as tuas palavras, João, repetem-se novamente ciclicamente como um mantra que subtilmente tem o poder de ir diluindo o sofrimento dos seres. E é tão bom, sinto-me satisfeito por saber que de alguma forma fui responsável por esse vício salutar que veio enriquecer a tua existência, porque às vezes, são as pequeninas coisas, os prazeres mais simples, que doam aos nossos espíritos uma renovada luz, uma luz repleta de ânimo, de alegria, e de tantos outros sentimentos que se transmutam numa bênção de felicidade.
João, desejo-te bons mergulhos e boas caçadas e, principalmente, muitas felicidades.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Escrever e viver

Não sou um intelectual, aliás, as minhas habilitações literárias são muito reduzidas. Já lá vai o tempo em que os professores do ensino primário pediam aos alunos para redigirem uma composição, e eu descortinava o embaraço de muitos catraios. Uns ficavam com o rosto pasmado como se estivessem a ser asfixiados pelos pensamentos que não brotavam para o papel, havia também os que começavam a esfregar freneticamente o traseiro no assento como se fossem acometidos por uma inesperada comichão, ou outros evidenciavam todos os indícios de esgravatarem exaustivamente os pensamentos na tentativa de delinearem uma ideia.
Às vezes, não sei quanto tempo estaria numa imobilidade contemplativa observando o que me circundava e, ao mesmo tempo, absorvendo-me mais e mais na realidade imaginária que a minha mente ia criando. Depois subitamente, como se uma força externa se apoderasse do meu próprio corpo e do espírito, começava a escrever, a escrever…
Talvez coçasse as barbas grisalhas e, com ar compassivo, proferisse, “Fernando, escreves muito bem, mas a tua composição tem muitas falhas gramaticais”, e eu devia-o olhar, talvez timidamente escondendo a vaidade que sentia, “Fernando, começa a ler muito, está bem?”. Não me lembro o que retorquia, nem o que pensava, mas, no ciclo preparatório e no ensino secundário, repetiram-se mais algumas vezes cenas semelhantes à narrada.
E descortino-me agora a abrir um livro, a desfolhá-lo, a inspirar o aroma a tinta e, frustradamente, a tentar descobrir a textura das palavras, a magia da leitura. Porém, o livro ficava abandonado numa prateleira ou esquecido no canto da mesa.
Confesso que foram raras as vezes que a leitura de um livro me embriagou de júbilo. Sentia-os simplesmente objectos vazios, sem emoções, sem sentimentos, enfim sem alma e vida própria.
“Até Ao Fim”, do autor Virgílio Ferreira, deve ter sido a primeira obra cuja a leitura me saciou de prazer fazendo-me reflectir em questões profundas.
No entanto, continuei a ler muito pouco. Embora escrevesse também raramente, já o acto de escrever sentia-o deleitoso, e escrevia principalmente quando a minha alma transbordava de deslumbramento. Não precisava de um computador, nem de uma folha de papel, quando depois de um dia de escalada desportiva, num desfiladeiro perdido nas montanhas do sul de Espanha, vislumbrava um avermelhado pôr-do-sol a diluir-se no horizonte, ou à noite um céu repleto de estrelas, escrevia nas estrelas, nas galáxias, na eternidade, escrevia até os olhos se me fecharem e adormecer em paz e feliz.
Anos mais tarde o senhor destino impeliu-me numa trajectória que me obrigou a desenvolver mais os músculos do intelecto. Acometido pela doença que quase arrebatou a luz aos meus olhos, inevitavelmente a força íntima do meu carácter instigou-me a lutar, a adaptar-me à nova situação de vida. Aprendi a trabalhar com um software designado, “Leitor de ecrã”, o que me permitiu utilizar o computador, aliás, para os cegos ou pessoas com baixa visão, ter acesso às novas tecnologias da informação é fundamental para a autonomia dos deficientes.
Algumas ferramentas do computador, assim como também o Braille, avivaram as energias mais subtis da minha consciência para o prazer da leitura. Comecei então a ser mais selectivo com as obras que escolhia e que escolho para ler.
“Fernando, refinar o talento é uma questão de trabalho, e tu tens talento, entendes?”, olhou-me intensamente como se conseguisse ler os meus pensamentos, e progrediu com as suas conjecturas, “Uma pessoa até pode ter um português correctíssimo, tudo no sítio certo, pontos de finais, vírgulas, e por aí fora, mas se não tiver talento, nunca conseguirá escrever textos criativos…”, e eu tentava absorver as suas palavras como um bálsamo que mais tarde quando desmotivado, me estimulariam a progredir com os meus escritos. Ah! Minha amiga Cláudia, minha amiga escritora que tanto me tens incentivado a escrever… Mil vezes obrigado.
E foi no dia 1 de Julho do ano de2010 que o meu primeiro livro veio à luz do dia, “Sombras da Alma”.
E claro que continuo a escrever, no entanto, considero que a minha escrita está a sofrer uma metamorfose. Sou um mero aprendiz de escritor, e nesta fase sinto oscilações no estilo e ritmo da escrita, talvez seja um processo natural de evolução. Acontece-me principalmente quando leio bons autores, apercebo-me da influência que os mesmos acabam por exercer nos meus textos. Porém, espero que cada vez mais o meu estilo tenha uma identidade e carácter próprios.
E o próximo livro? Sinceramente não sei, mas já estou a trabalhar numa nova colectânea de contos. É, neste momento, mais importante aperfeiçoar-me do que pensar em datas, há um provérbio chinês que diz, “Quando o discípulo está preparado o mestre aparece”, talvez não se enquadre muito bem neste contexto, enfim na falta de me lembrar de um que se ajuste melhor… Mas, como se costuma dizer, nada acontece por acaso e, por isso, quando o meu próximo filho literário tiver que vir à luz do dia, inevitavelmente esse momento acontecerá no ciclo ilusório do tempo.
Desejo a todos boas leituras e, principalmente, bons sonhos…

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sutra do coração

“Talvez os cegos de nascença enxerguem um mundo mais harmonioso”, estes e outros pensamentos têm-me aflorado nas duas últimas semanas, espontaneamente como uma espécie de meditação activa que me impulsiona a interrogar, “A percepção da realidade que temos do ambiente circundante, é uma concepção do cérebro?”. Mas subitamente sou embalado por uma embriagante melodia, quase hipnótica, um mantra budista, e esgravato a memória, rebuscando umas palavras, um aglomerado de pensamentos, e um fluido ininterrupto de ideias ajusta-se ao raciocínio que me fervilha na mente.
Somos seres condicionados, a experiência do “eu” é um conjunto de factores que abrangem as necessidades conflituosas de circunstâncias internas, identidade, ego, superego, aos custosos intercessões entre desejos inconscientes e modelos sociais interiorizados, ferramentas de defesa contra a ansiedade, necessidades psicossomáticas e crenças culturais… Enfim o “eu” assim como os outros fenómenos, é uma união de vários elementos e tem uma natureza condicionada, sem essência imutável. Somos experiências em movimento e não identidades individualizadas e, por isso, dir-se-á que o”eu” é vazio de substância própria.
Não tenho conhecimentos científicos nem grandes experiências místicas para divagar sobre às temáticas que abarcam a consciência, o cérebro, a mente, e tantos outros temas complexos que estudam o homem e o universo. Porém, creio que a vida, homem e cosmo, não se reduzem a meros processos biológicos.
Existe uma interligação e interdependência entre todos os fenómenos e todos os seres.
O universo é arquitectado na mente, segundo as nossas próprias vivências.
Abandono as ideias, renuncio a teologias, a indagações racionais, a crenças e dogmas, e absorvo-me em mim mesmo, no espaço silencioso do refúgio interno. E, com o sol a lamber-me as costas, transito calçada acima consciente dos meus ligeiros passos que rangem no empedrado,  o meu braço direito baloiça, e a mão contrai-se como se a bengala que não agarro fosse um recém membro amputado.
Divago agora pela ruela estreita do jardim. E sento-me num banco solitário. Lobrigo as árvores, as flores, e mesmo as formas que vislumbro com clareza, com nitidez, as cores vibrantes, é quase como se as descortinasse pela primeira vez. Sinto-me uma criança a redescobrir o mundo, aquilo que o sentido perceptivo da visão me vai revelando. Foram oito anos em que as cores se desbotaram, as pessoas esvaíram-se até me parecerem difusas como espectros, a cidade transmutou-se em obscurecidas sombras… E subitamente o mundo revela-se-me novamente a reluzir, talvez um pouco diferente de como o imaginei nos últimos anos.
“Já volto”, dizia ontem o rapaz para os bacanos que se abeiravam à porta do café, com palavras extrovertidas que se afunilavam pela extensão da rua, e ajeitou o braço para que eu lho agarrasse. Porém, estaquei explicando-lhe que tinha sido submetido a uma intervenção cirúrgica ao olho direito, e mirava-lhe as feições, o tronco… E onde é que estava aquele rapaz com o cabelo farto, com a cara larga e ombros fortes como os de um halterofilista, que a minha mente criara? Não sei, mas a minha mente quase que recusava que aquela figura com cabelo `cortado à escovinha e com ombros estreitos, que agora sorria, fosse o mesmo rapaz que tantas e tantas vezes me guiou até à porta de casa.
Espaços que há duas semanas atrás me surgiam amplos, largos, parecem-me hoje apertados e estreitos, e o invés. Também sucede. Penso que numa rua vou avistar edifícios altíssimos e descortino um vasto terreno… E tantas outras experiências semelhantes.
Onde é que está a fronteira entre a veracidade e a ilusão? E as barreiras que delimitam o real do imaginário? Não sei, não sei. Mas não será a existência um faz de conta como um sonho?
Um passarito saltita e, batendo as asas energeticamente, voa diluindo-se por entre a folhagem das árvores, num subtil chilrear. E emerge-me na memória uns sábios versos budistas
SUTRA DO CORAÇÃO.
O VAZIO É A FORMA
A FORMA NÃO É DIFERENTE DO VAZIO
O VAZIO NÃO É DIFERENTE DA FORMA.
Do mesmo modo as SENSAÇÕES, as PERCEPÇÕES, as FORMAÇÕES MENTAIS e a CONSCIÊNCIA SÃO VAZIAS.
Assim, Shariputra, todos os fenómenos são VACUIDADE. Não têm características, nem origem, nem fim.
São sem impureza, livres de toda a impureza. Não aumentam nem diminuem.
Eis porque no seio da VACUIDADE não há nem forma, nem sensação, nem percepção, nem formação mental, nem consciência.
Não há olho, nem orelha, nem nariz, nem língua, nem corpo, nem espírito; não há nem forma, nem som, nem odor, nem sabor, nem contacto, nem fenómeno mental. Não há qualidades inerentes à visão, ao ouvido, ao gosto, ao tocar, ao mental e à consciência mental.
Não há nem ignorância, nem velhice, nem morte, nem a sua cessação respectiva.
Do mesmo modo, não há nem sofrimento, nem origem do sofrimento, nem extinção do sofrimento, nem via. Não há sabedoria, nem realização, nem não-realização.
Assim, Shariputra, pois que para os bodhisattvas não há nada a atingir, estes apoiam-se no Conhecimento Transcendente e nele permanecem. Com o espírito desprovido de todo o véu, eles são impávidos. Transcendem toda a visão errónea e passaram definitivamente além do sofrimento.
É apoiando-se no Conhecimento Transcendente que todos os Budas do passado, do presente e do futuro alcançam a budeidade absoluta, o Despertar perfeito e insuperável…
Nota: algumas noções descritas neste post foram baseadas no conjunto de artigos, “Inconsciente e impermanência - Mente e Cérebro”, que se encontram disponíveis neste link.